FILOSOFIA ÉTICA (ESTUDOS DA MORAL)

5 – A Ética ou Filosofia Moral:
·         Fazemos constantemente juízos de valor.
·         Ex: Esta caneta é ruim porque falha muito.
·         Valores são herdados – Na realidade descobrimos um conteúdo que mobiliza nossa atração ou repulsa.
·         Conforme atendemos ou transgredimos certos padrões, nossos comportamentos são avaliados como bons ou maus = recebemos recriminações (sanções) ou elogios (recompensas). Também sentimos alegrias ou remorsos por causa de nossos atos. Ex: Olhar coercitivo da mãe, prisão penal, etc.
·         Dentre os vários tipos de valores, consideremos apenas os valores éticos.
·         A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral.
·         O que é o bem e o mal?
·         Vai depender se o fundamento da moral estiver na ordem cósmica, na vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência humana.
·         Há uma hierarquia de valores? Se houver o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade?
·         Os valores são essências? Têm um conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? Ou, ao contrário, são relativos? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação dessas duas posições contraditórias?

5.1 – Caráter histórico e social da moral:
·         Moral = conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos na sociedade. Há uma moral constituída exterior e anterior ao indivíduo, que orienta seu comportamento por meio de normas.
·         Em função da adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou imoral. É de tal importância a existência do mundo moral, que se torna impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras.
·         O antropólogo francês Lévi-Strauss, analisando os povos primitivos, mostra como a passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem da natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da proibição do incesto.
·         Estabeleceu-se as relações de parentesco e de alianças sobre os quais se constrói o mundo humano.
·         O homem a fim de garantir sua sobrevivência submete a natureza por meio do trabalho coletivo garantido pela concordância moral.
·         Comportamento – varia em tempo e lugar conforme as exigências das condições nas quais os homens se organizam principalmente quando diante das alterações de produção que exigem modificação das normas.
·         Exemplo: A idade Média se caracterizava pelo regime feudal e baseava-se numa rígida hierarquia de Suseranos, Vassalos e Servos. O trabalho era garantido pelos Servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de guerra = deriva daí a moral cavalheiresca com pressuposição de uma superioridade dos nobres sobre os plebeus = exaltação da virtude, da coragem, da lealdade e da fidelidade que sustentavam o sistema.
·         Em contraposição, o trabalho era desvalorizado e restrito aos servos até o aparecimento da burguesia que estabeleceu novas relações de trabalho, fazendo surgir a valorização do trabalho e a crítica à ociosidade.

5.2 – Caráter pessoal da moral:
·         À medida que os grupos primitivos abandonam a abrangência da consciência mítica, inicia-se um maior questionamento racional. O mesmo acontece com a criança quando se aproxima da adolescência, desenvolvendo o pensamento abstrato e a reflexão crítica colocando em questão todos os valores herdados.
·         O aumento do grau de consciência e de liberdade aumenta também a responsabilidade pessoal no comportamento moral.
·         Surge uma contradição angustiante: O conjunto de regas + Aceitação consciente e fervorosa das normas. Um ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma. À exterioridade da moral contrapõe-se a necessidade interior.
·         As normas com um tempo tornam-se obsoletas e contraditórias. Surge a necessidade de mudanças.

5.3 – Caráter social e pessoal da moral:
·         1º Pólo contraditório Se aceitarmos como predominante o caráter social da moral, inevitavelmente caímos no dogmatismo e no legalismo. Atribuímos um valor maior à lei e aos regulamentos e o ato moral se reduz ao adaptado à norma estabelecida. Isso geraria uma “educação” pelo medo da punição legal e uma moral empobrecida e farisaica.
·         2º Pólo contraditório se aceitarmos como predominante a interrogação do indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos os risco de destruir a moral, pois, se ela depender exclusivamente da sanção pessoal, poderá recair num individualismo, subjetivismo e relativismo com total ausência de princípios. Impossível a convivência.
·         É preciso considerar esses dois pólos contraditórios como uma dialética: uma relação ao mesmo tempo de escusa e implicação recíproca; de determinismo e liberdade; de adaptação e desadaptação e de aceitação e recusa da interdição.
·         O homem, ao mesmo tempo em que é herdeiro, é criador da cultura, e só será autêntico se for capaz de propor uma moral constituinte (integrante) diante da constituída (formada) através de suas experiências vividas.
·         Toda moral está situada num tempo e reflete um mundo em que a nossa liberdade se acha situada = gera um caráter histórico ambíguo ante um passado que condiciona nossos atos e a nossa possibilidade de nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo.
·         A historicidade do homem é a consciência ativa de um futuro, pelo qual se torna possível a criação original de projetos de mudança.

5.4 – Estrutura do ato moral:
·         Com o Mundo Moral, o homem foi obrigado a desenvolver sua consciência crítica = consciência moral = conjunto de exigências das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar nossas escolhas = discernimento do valor moral dos nossos atos.
ü  O Ato Moral é constituído de dois aspectos:
  1. Normativos = são as normas ou regras da ação humana = factual.
Exemplo: Não minta, não mate, estude mais, etc. A norma só tem sentido se orientada para a prática.
  1. Factual = é a efetivação ou não da norma na experiência vivida. Só adquire contorno moral quando se refere à norma.
·         Imperativos = enunciam o “dever ser”. Ex: Ser bom, não matar, etc.

·         O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não com a norma estabelecida.

·         O ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente.

·         Amoral ato que se realiza a margem de qualquer consideração a respeito das normas. Trata-se da redução ao factual, negando o normativo.

·         Negação da moralO homem “sem princípios” pauta sua conduta a partir de situações presentes e ao sabor das decisões momentâneas, sem nenhuma referência a valores.

·         Postura amoralnão-moral.

·         A postura não-moral = existe quando são usados outros critérios de avaliação que não são os da moral.

ü  Exemplo: a avaliação estética de um livro não pode ser contaminada por valores morais, mas por valores estéticos da obra como arte. Isso geraria uma censura contaminada.


5.5 – O ato voluntário:
·         Ato de vontade que decide pela busca de um fim proposto. Visto que a característica do agir humano é sua capacidade de antecipar o resultado ideal, o ato moral é sempre voluntário.
·         Desejovontade. Não controlamos o nosso desejo, mas podemos controlar nossa vontade. Não se trata de reprimir desejos, mas ter autonomia de escolhas.
·         Exemplo: “Este desejo fica para depois”, “aquele desejo não deve ser realizado nunca”, “este desejo realizo agora com muito gosto”.

5.6 – O ato responsável:
·         A complexidade do ato moral = provoca efeitos em quem o pratica e nas pessoas que o cercam na sociedade.
·         Portanto, para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre, consciente, intencional, mas também é preciso que não seja um ato solitário.
·         Responsabilidade o homem consciente e livre age e assume a autoria do seu ato, reconhecendo-o como seu e respondendo pelas conseqüências.
·         É um envolvimento profundo, junto + promessa = comprometido com a comunidade.

  
5.7 – O dever e a liberdade:
·         O comportamento moral é consciente, livre e responsável. É também obrigatório, cria um dever.
·         A natureza da obrigatoriedade moral não reside na exterioridade: é moral justamente porque deriva do próprio sujeito que se impõe
·         Pode parecer paradoxal, mas a obediência à lei livremente escolhida não é prisão, mas liberdade.
·         A consciência moral funciona como um juiz interno, informando-se da situação, consultando as normas estabelecidas, interiorizado-as como suas ou não, tomando decisões e julgando seus próprios atos = obediência à decisão.
·         Esse compromisso não exclui a não obediência, que justamente determinará o caráter moral ou imoral do nosso ato.
·         Gabriel Marcel “O homem livre é o homem que pode prometer e pode trair”. Para sermos realmente livres, devemos ter a possibilidade sempre aberta da transgressão da norma.
·         Heteronomia (hetero = “diferente”, e nomos = “lei”) significa a aceitação da norma que não é nossa, que vem de fora. Obedecemos passivamente por conformismo ou por temor = infantilidade.
·         Autonomia (auto, “próprio”) não nega a influência externa, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as limitações que lhe são impostas sobre seu agir. Portanto, quando decide pelo dever de cumprir uma norma, o centro de decisão é ele mesmo, é a sua própria consciência moral. Autonomia é autodeterminação.

5.8 – A virtude:
·         Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, pois é a repetição e continuidade do agir moral.
·         Aristóteles “uma andorinha, só, não faz verão” = o agir bem não deve ser ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de continuidade e na capacidade de perseverar no bem. A virtude é a eqüidistância entre dois vícios: um por excesso, outro por falta. Esta “áurea mediocridade” (que não deve ser confundida com a mediocridade do homem comum) consiste em saber escolher prudentemente o justo meio, a proporção, a medida; assim, a coragem é o meio-termo entre a temeridade (excesso) e a covardia (falta).
·         A verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa.
·         Virtude – Etimologicamente vem do latim vir = homem, varão. Virtus é “poder”, “potência” ( ou possibilidade de passar ao ato). A idéia de “virilidade” está ligada à idéia de força, de poder. Virtuoso é aquele capaz de exercer uma atividade ao nível de excelência. É a permanente disposição para querer o bem, o que supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os obstáculos que dificultam a ação.
·         Na Filosofia moral, a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao seu dever e o realiza.
·         Nos tempos Homéricos, os gregos consideravam virtuoso o guerreiro belo e bom, sendo a coragem sua principal virtude.
·         Sofistas a virtude pertence ao cidadão justo.
·         Platão – o corpo é um empecilho para a ação da razão. Virtude é o esforço de purificação das paixões. O compromisso do homem virtuoso para ele está vinculado à razão que determina o domínio do corpo fazendo a ascese.
·         Cristianismo – valoriza-se o amor de Deus, manifestado nas várias formas de amor ao próximo. A ordem sobrenatural tem primazia sobre o humano, e toda ação é orientada no sentido da contemplação de Deus e da vida eterna.
·         Iluminismo a virtude consiste em agir segundo a natureza.
·         Kant – virtude é a força moral da vontade de um homem no cumprimento do seu dever.
·         Nietzsche faz a crítica de tudo quanto já se falara sobre moral e virtude e preconiza a “transmutação de todos os valores”. Denuncia a falsa moral, “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral “de senhores”, uma moral positiva que visa a conservação da vida e dos seus instintos fundamentais.

EXERCÍCIO PARA CASA:
66) Qual é a parte da Filosofia que trata da reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral?
67) O que é Moral?
68) Quando é que um ATO pode ser considerado Moral?
69) O que é consciência moral?
70) O que é um ato amoral?
71) Como se chama uma pessoa que tem a capacidade de exercer uma atividade ao nível da excelência?

5.9 – A transmutação de todos os valores (Nietzsche):
·         No século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) empreende uma crítica radical à moral. Em diversas obras, como em Sobre a genealogia da moral, Para além de bem e mal e Crepúsculo dos ídolos, faz, em estilo apaixonado e mordaz (picante) a análise histórica da moral e afirma a incompatibilidade entre a moral e a vida. Em outras palavras, o homem, sob o domínio da moral, se enfraquece, tornando-se doentio e culpado.
·         Privilegia a Grécia homérica, do tempo das epopéias e das tragédias, considerando-a o momento em que predominaram os verdadeiros valores aristocráticos, quando a virtude, residindo na força e na potência, era a virtude do guerreiro belo e bom, amado dos deuses.
·         Nesse sentido, o inimigo não e mau: “em Homero, tanto o grego quanto o troiano são bons. Não passa por mau aquele que nos inflige algum dano, mas aquele que é desprezível”.
·         A moral de senhores é positiva; porque baseada no “sim” à vida, e se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo. Por isso essa moral está fundada na capacidade de criação, de invenção. É o resultado e a alegria, conseqüência da afirmação da potência. O homem que consegue superar-se é o super-homem (Übermensch, expressão alemã que significa “além-do-humano”, “que transpõe os limites do humano”).
·         A moral aristocrática é sadia e voltada para os instintos da vida.
·         Nietzsche contrapõe o pensamento socrático-platônico (que provoca a ruptura entre o trágico e o racional) e a tradição da religião judaico-cristã. A moral que deriva daí é decadente e própria de escravos, porque baseia-se na tentativa de subjugar os instintos pela razão.
·         O homem-fera é transformado em animal doméstico.
·         Essa moral plebéia estabelece um sistema de juízos que considera o bem e o mal como valores metafísicos transcendentes, isto é, independentes da situação concreta vivida pelo homem.
·         A moral de escravos visa a negação dos valores vitais e resulta na passividade e repousante. Inibe o homem, que se torna enfraquecido e diminuído em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos impotentes. A conduta humana é marcada pelo ressentimento, pela má-consciência e pelo ideal ascético.
·         O ressentimento nasce da fraqueza e é nocivo ao fraco. Para o homem nobre, esquecer é uma das condições de manter-se saudável, pois sabe digerir suas experiências. O homem ressentido fica envenenadopela sua inveja e impotência de vingança.
·         A má-consciência ou sentimento de culpa é o ressentimento voltado contra si mesmo, daí nasce o pecado.
·         O ideal ascético nega a alegria da vida e coloca a mortificação como meio para alcançar uma vida eterna num mundo superior, do além.
·         As práticas de altruísmo destroem o amor de si, domesticando os instintos e produzindo gerações de fracos.
·         É por isso que contra o enfraquecimento do homem faz-se necessário assumir uma perspectiva além de bem e mal, isto é, ‘além da moral’.
·         Por outro lado, para além de bem e mal não significa para além de bom e mau. A dimensão das forças, dos instintos e da vontade de potência, permanece fundamental.
·         O que é bom?
·         Tudo que intensifica no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência.
·         O que é mau?
·         Tudo que provém da fraqueza.

5.10 – Conclusões sobre a Filosofia Moral:
·         A realização da moral é um empreendimento individual, porque os seus verdadeiros agentes são os indivíduos reais.
·         O indivíduo é, por sua natureza, um ser social, e a moral serve a necessidades e interesses sociais e cumpre uma função social.
·         A atividade moral do indivíduo se desenvolve, por sua vez, no quadro de certas condições objetivas que determinam, num sentido ou no outro, as possibilidades de realização da moral numa sociedade determinada.
·         Estas condições, relações e instituições sociais que contribuem de maneira diversa para a realização da moral relacionam-se com os três planos fundamentais da vida social: econômico, político-social e espiritual.
·         A realização da moral não é somente um empreendimento individual, mas também social, isto é, não somente processo de moralização do individuo e sim processo de moralização no qual influem, de maneira diversa, as diversas relações, organizações e instituições sociais.

EXERCÍCIO PARA CASA:
72) Segundo Nietzsche, o que acontece com o homem sob o domínio da moral?
73) Segundo Nietzsche, quando predominaram os verdadeiros valores aristocráticos e como era a virtude nessa época?
74) Segundo Nietzsche, quem é mal?
75) Segundo Nietzsche, por que a moral de senhores e positiva?
76) O que Nietzsche fala sobre a moral que deriva da religião judaico-cristã?
77) Segundo Nietzsche, como é a moral plebéia?
78) O que Nietzsche fala sobre o ressentimento?
79) Segundo Nietzsche, como nasce o pecado?
80) Segundo Nietzsche, qual é o ideal ascético?
81) Segundo Nietzsche, o que as práticas de altruísmo provocam na vida do homem?
82) Segundo Nietzsche, o que é bom?
83) Segundo Nietzsche, o que é mau?

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